Introdução às Tabelas Comerciais de Componentes Passivos

Tempo de Leitura: 7 minutos

Ao projetar circuitos eletrônicos, um dos primeiros desafios enfrentados pelos iniciantes é compreender por que certos valores de resistores, capacitores ou indutores parecem ser “padrão” e se repetem com frequência em catálogos e lojas de componentes. Esses valores seguem uma lógica padronizada definida por normas internacionais, como a IEC 60063, que estabelece as chamadas séries de valores preferenciais.

Esses valores foram concebidos com o objetivo de otimizar a fabricação e a estocagem, permitindo cobrir uma ampla faixa de aplicações com o menor número possível de componentes diferentes. Assim, em vez de existir um resistor de exatamente 487 ohms, por exemplo, usa-se um valor comercial próximo, como 470 Ω ou 510 Ω, dependendo da precisão desejada.

No presente artigo, vamos explorar como essas tabelas são construídas, entender os significados de códigos como “105K” em capacitores, e conhecer os multiplicadores usados para representar os valores em ohms (Ω), farads (F) e henrys (H) de forma prática e sistematizada.

Séries de Valores Padronizados (E6, E12, E24…)

A padronização dos valores de componentes passivos segue a norma IEC 60063, que define um conjunto de séries chamadas séries E, numeradas de acordo com a quantidade de valores por década. Essas séries são utilizadas para garantir que os componentes disponíveis no mercado cubram uma ampla gama de aplicações com precisão e economia.

Cada série possui um número específico de valores dentro de cada década (um intervalo que vai de 1 até 10, como 1 Ω a 10 Ω, 10 Ω a 100 Ω, etc.). Por exemplo:

  • Série E6: contém 6 valores por década — usada para componentes de baixa precisão (±20%)
  • Série E12: contém 12 valores por década — usada para componentes de precisão média (±10%)
  • Série E24: contém 24 valores por década — usada para componentes de precisão de ±5%
  • Série E48, E96 e E192: usadas para componentes de alta precisão (±2%, ±1%, ±0.5%, etc.)

A ideia é que esses valores sejam espaçados de forma logarítmica. Isso significa que, dentro de cada década, os valores aumentam em uma progressão que considera a tolerância do componente. Por exemplo, na série E12 temos:

1.0, 1.2, 1.5, 1.8, 2.2, 2.7, 3.3, 3.9, 4.7, 5.6, 6.8, 8.2

Ao multiplicar esses valores por potências de 10 (10⁰, 10¹, 10²…), obtemos resistores de 1.0 Ω, 10 Ω, 100 Ω, 1 kΩ, 10 kΩ, etc., todos dentro da mesma série.

A tabela contida no documento que você enviou apresenta claramente os valores comerciais mais comuns em resistores, como:

1.0 Ω, 1.2 Ω, 1.5 Ω, 1.8 Ω, 2.2 Ω, 2.7 Ω, 3.3 Ω, 3.9 Ω, 4.7 Ω, 5.6 Ω, 6.8 Ω, 8.2 Ω

Esses valores são então multiplicados por 10, 100, 1.000, e assim por diante, gerando uma ampla faixa de resistores disponíveis no mercado, todos dentro de uma lógica previsível e organizada.

No caso dos capacitores e indutores, os valores também seguem essa mesma lógica, porém aplicando os prefixos micro (µ), nano (n), pico (p) para facilitar a leitura dos pequenos valores normalmente encontrados nesses componentes.

Multiplicadores e Prefixos em Resistores, Capacitores e Indutores

Ao analisar catálogos ou tabelas de componentes, é comum encontrar resistores, capacitores e indutores com valores expressos utilizando prefixos para indicar potências de dez. Esses prefixos são padrões estabelecidos internacionalmente pelo Sistema Internacional de Unidades (SI), e sua correta interpretação é essencial para compreender as características de cada componente.

Resistores

Nos resistores, os valores são expressos em ohms (Ω) e os multiplicadores mais comuns são:

  • mΩ (mili-ohm): 1 mΩ = 0,001 Ω (10⁻³ Ω)
  • Ω (ohm): unidade básica
  • kΩ (quilo-ohm): 1 kΩ = 1.000 Ω (10³ Ω)
  • MΩ (mega-ohm): 1 MΩ = 1.000.000 Ω (10⁶ Ω)

Exemplo:

  • 4,7 kΩ significa 4.700 Ω.

Capacitores

Nos capacitores, o valor da capacitância é expresso em farads (F), mas devido aos valores geralmente pequenos, são usados os seguintes multiplicadores:

  • mF (mili-farad): 1 mF = 10⁻³ F
  • µF (microfarad): 1 µF = 10⁻⁶ F
  • nF (nanofarad): 1 nF = 10⁻⁹ F
  • pF (picofarad): 1 pF = 10⁻¹² F

Exemplo:

  • Um capacitor de 470 nF equivale a 0,47 µF ou 470 x 10⁻⁹ F.

Nota importante: na prática comercial, capacitores muitas vezes são marcados com números codificados. Por exemplo, “104” significa 10 x 10⁴ pF = 100.000 pF, ou seja, 100 nF.

Indutores

Para indutores, a unidade é o henry (H), e, similar aos capacitores, valores reduzidos são mais comuns:

  • mH (mili-henry): 1 mH = 10⁻³ H
  • µH (micro-henry): 1 µH = 10⁻⁶ H

Exemplo:

  • Um indutor de 3,3 mH corresponde a 0,0033 H.

Resumo dos Prefixos

PrefixoSímboloFator multiplicativo
MegaM10⁶1000000
Kilok10³1000
Milim10⁻³0,001
Microµ10⁻⁶0,000001
Nanon10⁻⁹0,000000001
Picop10⁻¹²0,000000000001

Essa padronização é o que permite, por exemplo, um resistor de 4,7 kΩ ser reconhecido de forma rápida e universal, independente do fabricante ou da aplicação.

Normas que Regulamentam Valores Comerciais

A padronização dos valores e tolerâncias de resistores, capacitores e indutores é regida por normas internacionais desenvolvidas para garantir a interoperabilidade e a confiabilidade dos componentes eletrônicos em aplicações globais. As principais normas envolvidas neste contexto são:

IEC 60063 — Séries de Valores Preferenciais

A norma IEC 60063 (“Preferred number series for resistors and capacitors”) define as séries E que apresentamos anteriormente. Ela organiza os valores preferenciais de forma que qualquer valor necessário possa ser aproximado por um valor padrão dentro da tolerância aceitável. Assim:

  • Série E6: para tolerância de ±20%
  • Série E12: para tolerância de ±10%
  • Série E24: para tolerância de ±5%
  • Séries E48, E96, E192: para tolerâncias de ±2%, ±1% e ±0,5% ou menores.

Essas séries são aplicáveis tanto a resistores quanto a capacitores e, em menor escala, também a indutores.

IEC 60384 — Capacitores

A IEC 60384 (“Fixed capacitors for use in electronic equipment”) estabelece especificações para capacitores, incluindo:

  • Faixas de valores nominais
  • Tolerâncias padronizadas (como ±5%, ±10%, ±20%)
  • Métodos de marcação (ex.: codificação de três dígitos em capacitores cerâmicos)
  • Testes de qualidade, como resistência à temperatura, umidade e ciclos de tensão.

Assim, um capacitor de marcação “104” significa 10 x 10⁴ pF, ou seja, 100.000 pF (100 nF), conforme definido em tabelas da norma.

IEC 60051 — Indicação de Valores e Marcação

Para a marcação e apresentação de valores em dispositivos de medição e componentes passivos, como resistores e indutores, a IEC 60051 é uma norma complementar que estabelece:

  • Como os valores devem ser grafados
  • Símbolos padronizados (por exemplo, “k” para quilo, “M” para mega)
  • Marcação em faixas de cor para resistores e em texto para indutores.

Essa norma assegura que a leitura e interpretação dos valores nos componentes sejam universais e reduzam erros de montagem e de projeto.


Resumo:

NormaAplicação
IEC 60063Definição das séries de valores preferenciais (E6, E12, E24, etc.)
IEC 60384Capacitores fixos: valores, tolerâncias, marcações, ensaios
IEC 60051Regras de indicação de valores e marcações de componentes

Tabela Resumida de Valores Comerciais

Abaixo apresentamos uma tabela prática com os principais valores padronizados para resistores, capacitores e indutores. Essa tabela segue a lógica das séries padronizadas, principalmente E12 e E24, que são as mais usadas comercialmente:

Valor BaseUnidadeAplicação
1,0Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
1,1Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
1,2Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
1,3Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
1,5Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
1,6Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
1,8Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
2,0Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
2,2Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
2,4Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
2,7Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
3,0Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
3,3Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
3,6Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
3,9Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
4,3Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
4,7Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
5,1Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
5,6Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
6,2Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
6,8Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
7,5Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
8,2Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor
9,1Ω, F, HResistor, Capacitor, Indutor

Como usar esta tabela?

Esses valores base podem ser aplicados multiplicados ou divididos por potências de dez, de acordo com a unidade e a aplicação desejada:

  • Para resistores:
    • 4,7 Ω, 47 Ω, 470 Ω, 4,7 kΩ, 47 kΩ, 470 kΩ, 4,7 MΩ…
  • Para capacitores:
    • 4,7 pF, 47 pF, 470 pF, 4,7 nF, 47 nF, 470 nF, 4,7 µF…
  • Para indutores:
    • 4,7 µH, 47 µH, 470 µH, 4,7 mH, 47 mH, 470 mH…

Essa abordagem simplifica enormemente a produção e estocagem, além de padronizar as escolhas dos engenheiros e técnicos na hora de projetar circuitos.

Por que nem todos os valores existem comercialmente?

Um ponto importante para quem está começando na eletrônica é perceber que não existe um resistor ou capacitor para todo e qualquer valor numérico que possamos imaginar. Essa limitação não é um defeito, mas sim uma consequência prática da padronização internacional e da eficiência na fabricação e estocagem.

Imagine o desafio de ter que fabricar resistores de cada valor inteiro de 1 Ω até 1 MΩ — isso geraria milhões de variações! Para evitar essa complexidade, a norma IEC 60063 estabeleceu um conjunto limitado de valores, espaçados de maneira que a tolerância dos componentes cubra as lacunas entre eles. Ou seja, se precisamos de um resistor de 500 Ω, podemos usar um de 470 Ω ou de 510 Ω, dependendo da margem de erro permitida no circuito.

O mesmo raciocínio vale para capacitores e indutores: valores como 75 nF não são comuns, mas podem ser aproximados por 68 nF ou 82 nF, que são padronizados.

Como lidar com a ausência de valores exatos?

Quando o valor desejado não existe no mercado, há algumas estratégias que engenheiros e técnicos utilizam:

  • Associação em série:
    • Resistores ou capacitores podem ser ligados em série para somar seus valores.
    • Exemplo: Dois resistores de 220 Ω + 270 Ω ≈ 490 Ω (aproximação para 500 Ω).
  • Associação em paralelo:
    • Dois resistores ou capacitores podem ser ligados em paralelo para diminuir o valor resultante.
    • Fórmula para resistores em paralelo: Req=(1R1+1R2)−1R_{\text{eq}} = \left( \frac{1}{R_1} + \frac{1}{R_2} \right)^{-1}Req​=(R1​1​+R2​1​)−1
  • Uso de trimpots ou resistores ajustáveis:
    • Em circuitos que exigem ajustes finos, é comum adicionar um trimpot que permite calibrar manualmente a resistência.
  • Ajuste de tolerâncias:
    • Avaliar se a tolerância do projeto permite o uso de um valor próximo sem necessidade de combinação de componentes.

Essas técnicas garantem que o projeto funcione conforme especificado, mesmo sem a disponibilidade exata de todos os valores teóricos.


Conclusão

As tabelas comerciais de resistores, capacitores e indutores são o resultado de décadas de padronização e otimização industrial. Entender como esses valores são definidos, os prefixos utilizados e as normas que regulamentam essa organização é fundamental para projetar circuitos de forma eficiente, prática e compatível com o mercado.

Ao dominar essas tabelas e estratégias de ajuste, você estará apto a interpretar rapidamente especificações e a montar projetos mais confiáveis e bem planejados — um passo essencial para quem está trilhando o caminho no fascinante mundo da eletrônica!

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