Ao projetar circuitos eletrônicos, um dos primeiros desafios enfrentados pelos iniciantes é compreender por que certos valores de resistores, capacitores ou indutores parecem ser “padrão” e se repetem com frequência em catálogos e lojas de componentes. Esses valores seguem uma lógica padronizada definida por normas internacionais, como a IEC 60063, que estabelece as chamadas séries de valores preferenciais.
Esses valores foram concebidos com o objetivo de otimizar a fabricação e a estocagem, permitindo cobrir uma ampla faixa de aplicações com o menor número possível de componentes diferentes. Assim, em vez de existir um resistor de exatamente 487 ohms, por exemplo, usa-se um valor comercial próximo, como 470 Ω ou 510 Ω, dependendo da precisão desejada.
No presente artigo, vamos explorar como essas tabelas são construídas, entender os significados de códigos como “105K” em capacitores, e conhecer os multiplicadores usados para representar os valores em ohms (Ω), farads (F) e henrys (H) de forma prática e sistematizada.
Séries de Valores Padronizados (E6, E12, E24…)
A padronização dos valores de componentes passivos segue a norma IEC 60063, que define um conjunto de séries chamadas séries E, numeradas de acordo com a quantidade de valores por década. Essas séries são utilizadas para garantir que os componentes disponíveis no mercado cubram uma ampla gama de aplicações com precisão e economia.
Cada série possui um número específico de valores dentro de cada década (um intervalo que vai de 1 até 10, como 1 Ω a 10 Ω, 10 Ω a 100 Ω, etc.). Por exemplo:
- Série E6: contém 6 valores por década — usada para componentes de baixa precisão (±20%)
- Série E12: contém 12 valores por década — usada para componentes de precisão média (±10%)
- Série E24: contém 24 valores por década — usada para componentes de precisão de ±5%
- Série E48, E96 e E192: usadas para componentes de alta precisão (±2%, ±1%, ±0.5%, etc.)
A ideia é que esses valores sejam espaçados de forma logarítmica. Isso significa que, dentro de cada década, os valores aumentam em uma progressão que considera a tolerância do componente. Por exemplo, na série E12 temos:
1.0, 1.2, 1.5, 1.8, 2.2, 2.7, 3.3, 3.9, 4.7, 5.6, 6.8, 8.2
Ao multiplicar esses valores por potências de 10 (10⁰, 10¹, 10²…), obtemos resistores de 1.0 Ω, 10 Ω, 100 Ω, 1 kΩ, 10 kΩ, etc., todos dentro da mesma série.
A tabela contida no documento que você enviou apresenta claramente os valores comerciais mais comuns em resistores, como:
1.0 Ω, 1.2 Ω, 1.5 Ω, 1.8 Ω, 2.2 Ω, 2.7 Ω, 3.3 Ω, 3.9 Ω, 4.7 Ω, 5.6 Ω, 6.8 Ω, 8.2 Ω
Esses valores são então multiplicados por 10, 100, 1.000, e assim por diante, gerando uma ampla faixa de resistores disponíveis no mercado, todos dentro de uma lógica previsível e organizada.
No caso dos capacitores e indutores, os valores também seguem essa mesma lógica, porém aplicando os prefixos micro (µ), nano (n), pico (p) para facilitar a leitura dos pequenos valores normalmente encontrados nesses componentes.
Multiplicadores e Prefixos em Resistores, Capacitores e Indutores
Ao analisar catálogos ou tabelas de componentes, é comum encontrar resistores, capacitores e indutores com valores expressos utilizando prefixos para indicar potências de dez. Esses prefixos são padrões estabelecidos internacionalmente pelo Sistema Internacional de Unidades (SI), e sua correta interpretação é essencial para compreender as características de cada componente.
Resistores
Nos resistores, os valores são expressos em ohms (Ω) e os multiplicadores mais comuns são:
- mΩ (mili-ohm): 1 mΩ = 0,001 Ω (10⁻³ Ω)
- Ω (ohm): unidade básica
- kΩ (quilo-ohm): 1 kΩ = 1.000 Ω (10³ Ω)
- MΩ (mega-ohm): 1 MΩ = 1.000.000 Ω (10⁶ Ω)
Exemplo:
- 4,7 kΩ significa 4.700 Ω.
Capacitores
Nos capacitores, o valor da capacitância é expresso em farads (F), mas devido aos valores geralmente pequenos, são usados os seguintes multiplicadores:
- mF (mili-farad): 1 mF = 10⁻³ F
- µF (microfarad): 1 µF = 10⁻⁶ F
- nF (nanofarad): 1 nF = 10⁻⁹ F
- pF (picofarad): 1 pF = 10⁻¹² F
Exemplo:
- Um capacitor de 470 nF equivale a 0,47 µF ou 470 x 10⁻⁹ F.
Nota importante: na prática comercial, capacitores muitas vezes são marcados com números codificados. Por exemplo, “104” significa 10 x 10⁴ pF = 100.000 pF, ou seja, 100 nF.
Indutores
Para indutores, a unidade é o henry (H), e, similar aos capacitores, valores reduzidos são mais comuns:
- mH (mili-henry): 1 mH = 10⁻³ H
- µH (micro-henry): 1 µH = 10⁻⁶ H
Exemplo:
- Um indutor de 3,3 mH corresponde a 0,0033 H.
Resumo dos Prefixos
Prefixo | Símbolo | Fator multiplicativo | |
---|---|---|---|
Mega | M | 10⁶ | 1000000 |
Kilo | k | 10³ | 1000 |
Mili | m | 10⁻³ | 0,001 |
Micro | µ | 10⁻⁶ | 0,000001 |
Nano | n | 10⁻⁹ | 0,000000001 |
Pico | p | 10⁻¹² | 0,000000000001 |
Essa padronização é o que permite, por exemplo, um resistor de 4,7 kΩ ser reconhecido de forma rápida e universal, independente do fabricante ou da aplicação.
Normas que Regulamentam Valores Comerciais
A padronização dos valores e tolerâncias de resistores, capacitores e indutores é regida por normas internacionais desenvolvidas para garantir a interoperabilidade e a confiabilidade dos componentes eletrônicos em aplicações globais. As principais normas envolvidas neste contexto são:
IEC 60063 — Séries de Valores Preferenciais
A norma IEC 60063 (“Preferred number series for resistors and capacitors”) define as séries E que apresentamos anteriormente. Ela organiza os valores preferenciais de forma que qualquer valor necessário possa ser aproximado por um valor padrão dentro da tolerância aceitável. Assim:
- Série E6: para tolerância de ±20%
- Série E12: para tolerância de ±10%
- Série E24: para tolerância de ±5%
- Séries E48, E96, E192: para tolerâncias de ±2%, ±1% e ±0,5% ou menores.
Essas séries são aplicáveis tanto a resistores quanto a capacitores e, em menor escala, também a indutores.
IEC 60384 — Capacitores
A IEC 60384 (“Fixed capacitors for use in electronic equipment”) estabelece especificações para capacitores, incluindo:
- Faixas de valores nominais
- Tolerâncias padronizadas (como ±5%, ±10%, ±20%)
- Métodos de marcação (ex.: codificação de três dígitos em capacitores cerâmicos)
- Testes de qualidade, como resistência à temperatura, umidade e ciclos de tensão.
Assim, um capacitor de marcação “104” significa 10 x 10⁴ pF, ou seja, 100.000 pF (100 nF), conforme definido em tabelas da norma.
IEC 60051 — Indicação de Valores e Marcação
Para a marcação e apresentação de valores em dispositivos de medição e componentes passivos, como resistores e indutores, a IEC 60051 é uma norma complementar que estabelece:
- Como os valores devem ser grafados
- Símbolos padronizados (por exemplo, “k” para quilo, “M” para mega)
- Marcação em faixas de cor para resistores e em texto para indutores.
Essa norma assegura que a leitura e interpretação dos valores nos componentes sejam universais e reduzam erros de montagem e de projeto.
Resumo:
Norma | Aplicação |
---|---|
IEC 60063 | Definição das séries de valores preferenciais (E6, E12, E24, etc.) |
IEC 60384 | Capacitores fixos: valores, tolerâncias, marcações, ensaios |
IEC 60051 | Regras de indicação de valores e marcações de componentes |
Tabela Resumida de Valores Comerciais
Abaixo apresentamos uma tabela prática com os principais valores padronizados para resistores, capacitores e indutores. Essa tabela segue a lógica das séries padronizadas, principalmente E12 e E24, que são as mais usadas comercialmente:
Valor Base | Unidade | Aplicação |
---|---|---|
1,0 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
1,1 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
1,2 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
1,3 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
1,5 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
1,6 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
1,8 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
2,0 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
2,2 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
2,4 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
2,7 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
3,0 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
3,3 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
3,6 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
3,9 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
4,3 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
4,7 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
5,1 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
5,6 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
6,2 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
6,8 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
7,5 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
8,2 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
9,1 | Ω, F, H | Resistor, Capacitor, Indutor |
Como usar esta tabela?
Esses valores base podem ser aplicados multiplicados ou divididos por potências de dez, de acordo com a unidade e a aplicação desejada:
- Para resistores:
- 4,7 Ω, 47 Ω, 470 Ω, 4,7 kΩ, 47 kΩ, 470 kΩ, 4,7 MΩ…
- Para capacitores:
- 4,7 pF, 47 pF, 470 pF, 4,7 nF, 47 nF, 470 nF, 4,7 µF…
- Para indutores:
- 4,7 µH, 47 µH, 470 µH, 4,7 mH, 47 mH, 470 mH…
Essa abordagem simplifica enormemente a produção e estocagem, além de padronizar as escolhas dos engenheiros e técnicos na hora de projetar circuitos.
Por que nem todos os valores existem comercialmente?
Um ponto importante para quem está começando na eletrônica é perceber que não existe um resistor ou capacitor para todo e qualquer valor numérico que possamos imaginar. Essa limitação não é um defeito, mas sim uma consequência prática da padronização internacional e da eficiência na fabricação e estocagem.
Imagine o desafio de ter que fabricar resistores de cada valor inteiro de 1 Ω até 1 MΩ — isso geraria milhões de variações! Para evitar essa complexidade, a norma IEC 60063 estabeleceu um conjunto limitado de valores, espaçados de maneira que a tolerância dos componentes cubra as lacunas entre eles. Ou seja, se precisamos de um resistor de 500 Ω, podemos usar um de 470 Ω ou de 510 Ω, dependendo da margem de erro permitida no circuito.
O mesmo raciocínio vale para capacitores e indutores: valores como 75 nF não são comuns, mas podem ser aproximados por 68 nF ou 82 nF, que são padronizados.
Como lidar com a ausência de valores exatos?
Quando o valor desejado não existe no mercado, há algumas estratégias que engenheiros e técnicos utilizam:
- Associação em série:
- Resistores ou capacitores podem ser ligados em série para somar seus valores.
- Exemplo: Dois resistores de 220 Ω + 270 Ω ≈ 490 Ω (aproximação para 500 Ω).
- Associação em paralelo:
- Dois resistores ou capacitores podem ser ligados em paralelo para diminuir o valor resultante.
- Fórmula para resistores em paralelo: Req=(1R1+1R2)−1R_{\text{eq}} = \left( \frac{1}{R_1} + \frac{1}{R_2} \right)^{-1}Req=(R11+R21)−1
- Uso de trimpots ou resistores ajustáveis:
- Em circuitos que exigem ajustes finos, é comum adicionar um trimpot que permite calibrar manualmente a resistência.
- Ajuste de tolerâncias:
- Avaliar se a tolerância do projeto permite o uso de um valor próximo sem necessidade de combinação de componentes.
Essas técnicas garantem que o projeto funcione conforme especificado, mesmo sem a disponibilidade exata de todos os valores teóricos.
Conclusão
As tabelas comerciais de resistores, capacitores e indutores são o resultado de décadas de padronização e otimização industrial. Entender como esses valores são definidos, os prefixos utilizados e as normas que regulamentam essa organização é fundamental para projetar circuitos de forma eficiente, prática e compatível com o mercado.
Ao dominar essas tabelas e estratégias de ajuste, você estará apto a interpretar rapidamente especificações e a montar projetos mais confiáveis e bem planejados — um passo essencial para quem está trilhando o caminho no fascinante mundo da eletrônica!
Sobre o Autor
Carlos Delfino
administrator
Um Eterno Aprendiz.
Professor de Introdução a Programação, programação com JavaScript, TypeScript, C/C++ e Python
Professor de Eletrônica Básica
Professor de programação de Microcontroladores.
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