Os resistores shunt, também conhecidos como resistores de derivação, são componentes fundamentais em circuitos eletrônicos onde se deseja medir com precisão a corrente elétrica. Seu princípio de funcionamento é simples, mas poderoso: ao permitir a passagem da corrente por um resistor de valor muito baixo, é possível medir a queda de tensão gerada por essa corrente e, a partir dessa tensão, determinar o valor da corrente usando a Lei de Ohm.
A Lei de Ohm, expressa pela fórmula: V=R⋅IV = R \cdot I
é a base para entender o funcionamento dos resistores shunt. Nessa equação, VV representa a tensão medida nos terminais do resistor, RR é o valor da resistência (muito baixo no caso de um shunt), e II é a corrente que se deseja medir. Como RR é conhecido e constante, medir VV permite calcular II de forma precisa.
O termo “shunt” vem do inglês e significa “desviar”. O resistor shunt, nesse contexto, desvia uma pequena parte do caminho da corrente para que se possa monitorá-la sem interferir significativamente no funcionamento do circuito principal.
Esta técnica é especialmente útil em sistemas de potência, como em inversores, fontes chaveadas e circuitos de bateria, onde é fundamental acompanhar a corrente com rapidez e confiabilidade para controlar a carga, identificar falhas ou implementar estratégias de proteção.
Aplicações Práticas em Inversores
Nos circuitos de inversores de frequência e conversores de energia, o uso de resistores shunt é essencial para o monitoramento da corrente que flui entre a fonte de alimentação e a carga, como motores elétricos, baterias ou outros dispositivos de alta potência.
Em um inversor típico, que converte corrente contínua (DC) em corrente alternada (AC), os resistores shunt são geralmente posicionados em pontos estratégicos do circuito, como:
- Na linha de entrada DC, para monitorar o consumo total de corrente do sistema.
- Na linha de saída AC, para medir a corrente fornecida à carga.
- Nos ramos das pontes H, para controle de corrente por fase em sistemas trifásicos.
Essas medições permitem que o microcontrolador ou DSP (Processador Digital de Sinais) associado ao inversor tome decisões em tempo real sobre o funcionamento do sistema. Por exemplo, ao detectar sobrecarga, curto-circuito ou variações bruscas de corrente, o sistema pode reagir protegendo seus componentes ou ajustando os parâmetros de modulação (PWM).
Além disso, os resistores shunt são amplamente usados para realimentação em malhas de controle, onde a corrente medida serve como entrada para algoritmos como o PID (Proporcional-Integral-Derivativo), ajustando a largura de pulso dos switches do inversor de modo a manter a corrente dentro dos limites esperados.

Para que esse tipo de medição seja confiável, é crucial que o resistor shunt seja de baixa resistência e alta estabilidade térmica, a fim de minimizar o erro causado por variações de temperatura ou por quedas de tensão indesejadas que possam alterar o comportamento do sistema.
A seguir, explicaremos os modelos matemáticos usados na medição com resistores shunt, incluindo como calcular corretamente a corrente com base na tensão medida, e como minimizar os erros associados à resistência parasita e ao ruído.
Modelagem Matemática e Cálculo da Corrente com Shunt
A base do uso do resistor shunt na medição de corrente é a aplicação direta da Lei de Ohm, mas com atenção especial a aspectos práticos que influenciam a precisão da medição. A equação fundamental, como vimos, é:
\[
I = \frac{V_{\text{shunt}}}{R_{\text{shunt}}}
\]
Onde:
- I é a corrente a ser medida,
- \(V_{\text{shunt}}\) é a tensão medida sobre o resistor shunt,
- \(R_{\text{shunt}}\) é o valor de resistência do shunt, normalmente entre 0,1 mΩ e 100 mΩ, dependendo da corrente esperada.
Exemplo Prático:
Suponha que o resistor shunt tenha um valor de \(R_{\text{shunt}} = 10\,\text{m}\Omega\), e uma tensão medida de \(V_{\text{shunt}} = 50\,\text{mV}\). \(I = \frac{50\,\text{mV}}{10\,\text{m}\Omega} = 5\,\text{A}\)
Esse valor de corrente pode então ser usado para fins de controle, proteção ou monitoramento.
Considerações Importantes:
- Resistência precisa: Um erro de apenas 1 mΩ em um shunt de 10 mΩ representa um erro de 10% na leitura de corrente.
- Coeficiente de temperatura (TCR): A resistência do shunt pode variar com a temperatura. Por isso, resistores shunt de precisão são feitos com ligas metálicas de baixo TCR, como manganina.
- Ruído e interferência: Como os sinais de tensão gerados são muito pequenos (tipicamente milivolts), é comum utilizar amplificadores de instrumentação para amplificar o sinal antes de enviá-lo a um conversor analógico-digital (ADC).
- Layout da placa: Pistas de cobre mal dimensionadas podem gerar quedas de tensão parasitas que afetam a medição. O ideal é utilizar uma topologia Kelvin, onde os terminais de medição são separados dos terminais de condução de corrente.
Equação com Ganho de Amplificação:
Se o sinal de tensão for amplificado antes de chegar ao ADC, a equação se torna:
\[
I = \frac{V_{\text{ADC}}}{G \cdot R_{\text{shunt}}}
\]
Onde:
- \(V_{\text{ADC}}\) é a tensão lida pelo ADC,
- G é o ganho do amplificador.
Essa abordagem permite que sinais muito pequenos sejam amplificados com precisão para que o ADC possa operar em sua faixa ideal de resolução, melhorando a qualidade da amostragem e o desempenho geral do sistema.
Vantagens, Limitações e Estratégias de Projeto com Shunt
O uso de resistores shunt em sistemas de medição de corrente oferece diversas vantagens, principalmente em aplicações de potência e controle, como nos inversores. No entanto, como toda solução de engenharia, também possui limitações que precisam ser consideradas no projeto.

Vantagens
- Alta precisão com baixo custo: Resistores shunt são componentes simples e baratos, mas quando usados com amplificadores de instrumentação, podem oferecer medições extremamente precisas de corrente.
- Resolução direta: A leitura da corrente é direta, sem necessidade de calibração complexa, especialmente se o valor do resistor for conhecido com precisão.
- Amplitude de medição ajustável: Basta escolher um resistor com valor adequado à faixa de corrente desejada, ou um amplificador com ganho ajustável.
Limitações
- Perda de potência: Mesmo com resistores de baixa resistência, há dissipação de energia térmica, dada por:
\[
P = I^2 \cdot R_{\text{shunt}}
\]
Por isso, em aplicações de alta corrente, essa perda pode ser significativa e precisa ser considerada no projeto térmico.
- Ruído em sinais pequenos: Quando a corrente é muito baixa, a tensão gerada no shunt também será pequena, exigindo amplificadores de baixo ruído e boas práticas de layout para garantir uma medição estável.
- Variação com temperatura: Como já mencionado, resistores comuns podem ter variação significativa de resistência com o calor gerado pela corrente. O uso de resistores de manganina ou outras ligas de baixa variação térmica é uma prática recomendada.
Estratégias de Projeto
- Topologia Kelvin: Use sempre conexões separadas para os terminais de corrente e de medição, minimizando erros causados por resistência das trilhas ou contatos.
- Distribuição térmica: Posicione o resistor em regiões da placa com boa ventilação e, se necessário, dimensione o cobre ao redor para atuar como dissipador de calor.
- Proteção contra sobrecorrente: Em sistemas com cargas indutivas, eventos transitórios podem gerar picos de corrente. Nesses casos, use diodos de proteção ou circuitos de recorte para proteger o amplificador e o ADC.
- Conversão diferencial para comum: Amplificadores diferenciais ou amplificadores de instrumentação como o INA219, INA226 ou ACS712 podem ser usados para fazer a leitura de sinais diferenciais e convertê-los para tensão simples, compatível com ADCs.
Com essas estratégias, os resistores shunt se tornam uma solução robusta, confiável e de fácil integração em praticamente qualquer sistema eletrônico de medição e controle de corrente.
Conclusão e Recomendações Práticas
Os resistores shunt são componentes discretos, mas de enorme relevância nos sistemas modernos de potência e controle. Sua capacidade de transformar uma grandeza elétrica (corrente) em uma tensão proporcional e de fácil leitura torna-os indispensáveis em inversores, carregadores de bateria, fontes chaveadas e sistemas embarcados de monitoramento energético.
Ao longo deste artigo, vimos que:
- A Lei de Ohm é a base teórica para a medição com shunt;
- O resistor deve ser de baixa resistência e possuir alta estabilidade térmica;
- Sua aplicação em inversores permite o controle preciso da corrente de saída, contribuindo tanto para proteção quanto para o desempenho do sistema;
- A precisão da medição depende de cuidados de projeto, como o uso de amplificadores diferenciais, layout Kelvin e análise térmica;
- Mesmo sendo simples, o shunt exige uma integração criteriosa com o sistema de aquisição e controle para garantir confiabilidade e segurança.
Sugestões de Componentes Comerciais
Para aplicações reais, alguns resistores e amplificadores de leitura são amplamente utilizados e recomendados:
- Resistores Shunt:
- Vishay WSL / WSLS series
- Bourns CSS series
- Ohmite LVK series
- Amplificadores para Leitura:
- INA219 / INA226 (Texas Instruments): medição com I²C e monitoramento de potência
- INA180 / INA181: baixo custo, alta precisão
- ACS712 / ACS758: sensores Hall com saída analógica integrada
Com esses recursos, é possível implementar soluções de medição de corrente robustas tanto em projetos educacionais quanto em aplicações industriais exigentes.
Sobre o Autor
Carlos Delfino
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Um Eterno Aprendiz.
Professor de Introdução a Programação, programação com JavaScript, TypeScript, C/C++ e Python
Professor de Eletrônica Básica
Professor de programação de Microcontroladores.
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