Breve História da Instrumentação e das Medidas
A história da instrumentação está diretamente ligada à própria evolução da ciência e da tecnologia. Desde a Antiguidade, as sociedades perceberam a necessidade de medir grandezas para sobreviver e prosperar. Os primeiros registros de medição surgem na agricultura, onde o tempo e as estações precisavam ser observados para orientar o plantio e a colheita.
Nessa fase inicial, as unidades eram baseadas em referências naturais ou corporais, como o pé, o côvado (comprimento do antebraço) e a polegada (baseada em grãos de cevada). Cada povo tinha seus próprios padrões: os egípcios usavam o côvado real; os babilônios e chineses possuíam sistemas próprios; e no mundo europeu medieval, medidas como a jarda inglesa eram definidas de forma quase anedótica, como a distância do nariz ao polegar de um rei.
Com o avanço do comércio e da arquitetura monumental (como as pirâmides do Egito), ficou evidente a necessidade de padronizar. Estima-se que cerca de 5.000 padrões diferentes de medidas coexistiam de forma caótica antes da unificação métrica.
A grande transformação ocorre no final do século XVIII, quando, durante a Revolução Francesa, foi instituído o Sistema Métrico Decimal (1799). O metro foi definido como a décima milionésima parte do quadrante do meridiano terrestre, e o quilograma como a massa de um litro de água pura. Esse evento inaugura a era moderna da metrologia, estabelecendo o caminho para o atual Sistema Internacional de Unidades (SI).
A partir desse marco, as medições deixaram de ser empíricas para se tornarem científicas e universais, apoiadas em definições baseadas em constantes fundamentais da natureza. Assim, a instrumentação moderna não apenas serve para comprovação experimental das teorias físicas, mas também se torna elemento essencial em engenharia, indústria e tecnologia.
Organismos Internacionais e Regulamentação das Medidas
A padronização das medidas é um dos pilares da ciência moderna. Sem uma linguagem comum, o avanço tecnológico seria fragmentado e caótico, como ocorria antes da criação do Sistema Métrico. Para garantir a uniformidade mundial, foram criados organismos internacionais de metrologia que até hoje regulam, atualizam e fiscalizam os padrões adotados.
O principal eixo dessa organização é o BIPM (Bureau International des Poids et Mesures), fundado em 1875 em Sèvres, França, após a assinatura da Convenção do Metro. O BIPM mantém os padrões internacionais de unidades, conduz pesquisas em metrologia e coordena comparações entre laboratórios nacionais de metrologia.
A governança do BIPM se dá por duas instâncias:
- CGPM (Conférence Générale des Poids et Mesures) — reúne periodicamente representantes de todos os países signatários da Convenção do Metro para decidir sobre mudanças no Sistema Internacional de Unidades (SI). Foi no âmbito da CGPM que, em 2018, aprovou-se a redefinição de todas as unidades básicas do SI com base em constantes fundamentais da natureza, que entrou em vigor em 2019.
- CIPM (Comité International des Poids et Mesures) — composto por 18 membros de diferentes países, supervisiona os trabalhos técnicos e científicos do BIPM e prepara as decisões para a CGPM.
Além dessas instituições, a ISO (International Organization for Standardization) desempenha papel essencial na harmonização de normas que envolvem medições industriais, e a OIML (Organização Internacional de Metrologia Legal) garante que instrumentos de medição usados em comércio e segurança sigam padrões confiáveis.
No Brasil, a responsabilidade é do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), que atua em conjunto com a Rede Brasileira de Calibração (RBC). O INMETRO estabelece os padrões nacionais, fiscaliza instrumentos de medição no comércio (como balanças, bombas de combustível) e dá suporte técnico às indústrias.
Um documento central para a padronização da linguagem é o VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia). Ele define termos fundamentais como:
- Grandeza: propriedade de um fenômeno, corpo ou substância que pode ser quantificada (ex.: massa, tempo, temperatura).
- Unidade de medida: grandeza particular usada como referência (ex.: metro, segundo, ampere).
- Incerteza: parâmetro associado ao resultado de uma medição que caracteriza a dispersão de valores possíveis.
Graças a esses organismos, é possível que cientistas, engenheiros e indústrias em qualquer país falem a mesma língua metrológica, garantindo que um metro no Japão seja idêntico a um metro no Brasil, e que um quilograma em laboratório europeu tenha o mesmo valor que em qualquer outro ponto do planeta.
Sistema Internacional de Unidades e Métricas Atuais
O Sistema Internacional de Unidades (SI) é hoje o sistema de medidas oficial em praticamente todo o mundo. Ele foi criado para substituir os inúmeros sistemas locais e imperiais que coexistiam até o século XIX, unificando a ciência, a indústria e o comércio sob uma mesma base metrológica.
O SI é estruturado sobre sete unidades fundamentais, a partir das quais todas as demais podem ser derivadas:
- Metro (m) — unidade de comprimento.
- Definido atualmente pela distância percorrida pela luz no vácuo durante o intervalo de 1/299.792.4581/299.792.458 de segundo.
- Quilograma (kg) — unidade de massa.
- Desde 2019, definido pela constante de Planck (h), de forma que a balança de Watt substituiu o protótipo físico de platina-irídio.
- Segundo (s) — unidade de tempo.
- Definido pelo número de oscilações da radiação correspondente à transição entre dois níveis hiperfinos do césio-133: exatamente 9.192.631.770 oscilações.
- Ampere (A) — unidade de corrente elétrica.
- Definido a partir da carga elementar ee, equivalente a 1,602176634×10−191,602176634 \times 10^{-19} coulombs.
- Kelvin (K) — unidade de temperatura termodinâmica.
- Definido pela constante de Boltzmann kk, com valor fixado em 1,380649×10−231,380649 \times 10^{-23} J/K.
- Mol (mol) — unidade de quantidade de substância.
- Corresponde a 6,02214076×10236,02214076 \times 10^{23} entidades elementares (número de Avogadro).
- Candela (cd) — unidade de intensidade luminosa.
- Definida a partir da potência radiante de uma fonte monocromática de frequência 540×1012540 \times 10^{12} Hz, emitindo numa dada direção 1/6831/683 watts por esterradiano.
Unidades Derivadas
A partir dessas sete, temos diversas unidades derivadas, fundamentais em engenharia:
- Newton (N) = \(\kg \cdot m/s^2\) → unidade de força.
- Pascal (Pa) = \(N/m^2\) → unidade de pressão.
- Joule (J) = \(N \cdot m\) → unidade de energia.
- Watt (W) = \(J/s\) → unidade de potência.
- Volt (V) = \(W/A\) → unidade de potencial elétrico.
- Ohm (Ω) = \(V/A\) → unidade de resistência elétrica.
Importância da Redefinição de 2019
Antes de 2019, algumas unidades (como o quilograma) ainda eram definidas por padrões físicos guardados em cofres (o famoso “Le Grand K” em Paris). O problema era a instabilidade: ao longo de décadas, o protótipo sofreu variações de massa em relação a suas cópias oficiais.
Com a redefinição baseada em constantes da natureza, o SI tornou-se totalmente imune ao tempo, garantindo que as unidades fundamentais sejam universais, imutáveis e independentes de artefatos materiais.
Tipos de Sensores e seus Princípios de Funcionamento
A instrumentação moderna depende diretamente dos sensores. Eles são os elos entre o mundo físico e os sistemas de aquisição e processamento de dados, convertendo grandezas naturais (temperatura, pressão, luz, campo magnético) em sinais elétricos que podem ser interpretados por instrumentos ou sistemas computacionais.
Os sensores podem ser classificados de diferentes formas: por grandeza medida, por princípio físico de funcionamento, ou ainda por tipo de saída (analógica, digital, inteligente). A seguir, apresentamos os principais tipos, suas características e as equações fundamentais que regem seu comportamento.
1. Sensores Resistivos
Variação de resistência em função da grandeza medida.
- Exemplo: termistor (temperatura), LDR (intensidade luminosa), strain gauge (deformação).
- Lei básica:
\[V = R \cdot I\]
- Termistor (equação de Steinhart-Hart):
\[\frac{1}{T} = A + B \cdot \ln(R) + C \cdot (\ln(R))^3\]
2. Sensores Capacitivos
Detectam mudanças na capacitância entre duas placas condutoras.
- Exemplo: sensores de proximidade, touch capacitivo, medição de nível.
- Fórmula da capacitância:
\[C = \varepsilon \cdot \frac{A}{d}\]
Onde a aproximação de um objeto altera d ou ε.
3. Sensores Indutivos
Exploram a variação da indutância em função da presença de materiais metálicos.
- Exemplo: sensores de proximidade industrial.
- Fórmula:
\[L = \mu \cdot \frac{N^2 \cdot A}{l}\]
4. Sensores Piezoelétricos
Geram carga elétrica quando submetidos a uma força mecânica.
- Equações fundamentais:
\[Q = d \cdot F \quad \text{e} \quad V = \frac{Q}{C}\]
- Aplicações: microfones, sensores de impacto, vibração.
5. Sensores Ópticos
Transformam radiação luminosa em sinal elétrico.
- Fotodiodo:
\[I_{ph} = R_{\lambda} \cdot P_{opt}\]
- Exemplo: fototransistores, sensores de presença, LiDAR.
6. Sensores Magnéticos (Efeito Hall)
Transformam campo magnético em tensão elétrica.
- Equação de Hall:
\[V_H = \frac{I \cdot B}{n \cdot q \cdot t}\]
- Exemplo: sensores de posição, tacômetros magnéticos.
7. Sensores Térmicos (Termopares)
Baseiam-se no efeito Seebeck, gerando tensão pela diferença de temperatura entre duas junções metálicas. \(V = S \cdot \Delta T\)
- Exemplo: termopares industriais, RTDs.
8. Sensores Químicos e Eletroquímicos
Detectam substâncias por meio de reações químicas.
- Equação de Nernst (aplicada a pH):
\[E = E^0 – \frac{2.303 \cdot RT}{F} \cdot pH\]
- Exemplo: eletrodos de pH, sensores de gás MQ, biossensores.
9. Sensores Acústicos
Detectam som ou vibração mecânica.
- Exemplo: microfones piezoelétricos, sonar, sensores ultrassônicos.
- Equação Doppler (fluxo e velocidade):
\[f_D = \frac{2 \cdot v \cdot f_0}{c}\]
👉 Nesta seção mostramos como cada grandeza física pode ser traduzida em equações. Esses modelos matemáticos são a base para o condicionamento de sinais e para a calibração dos instrumentos.
Vocabulário da Metrologia e Padronização dos Termos
A instrumentação e as medições só podem ser entendidas de forma universal se houver consenso sobre a terminologia. Por isso, a metrologia moderna se apoia em documentos normativos que definem rigorosamente cada conceito. O mais importante deles é o VIM (Vocabulário Internacional de Metrologia), elaborado em conjunto pelo BIPM, OIML, ISO e outras entidades internacionais.
Termos Fundamentais
- Grandeza
É a propriedade de um fenômeno, corpo ou substância que pode ser quantificada. Exemplos: comprimento, massa, temperatura, pressão. - Unidade de medida
É uma grandeza particular, definida e adotada por convenção, usada como referência. Exemplo: o metro é a unidade de comprimento. - Mensurando
É a grandeza específica que se deseja medir. Exemplo: ao medir a tensão em um resistor, o mensurando é a diferença de potencial em seus terminais. - Valor de medição
É o resultado numérico associado a uma medição, geralmente acompanhado da unidade. Exemplo: 5,00 V. - Erro de medição
Diferença entre o valor medido e o valor verdadeiro (ou referência). Pode ser positivo ou negativo. - Incerteza de medição
Parâmetro associado ao resultado, que expressa a dispersão de valores plausíveis. É essencial para garantir a confiabilidade. Exemplo: 5,00±0,025,00 \pm 0,02 V.
Importância da Padronização
O uso do VIM garante que engenheiros, cientistas e técnicos em qualquer país falem a mesma língua metrológica. Isso evita interpretações diferentes para termos aparentemente semelhantes e dá segurança jurídica e técnica em contextos industriais e comerciais.
Por exemplo:
- No comércio de combustíveis, a bomba de gasolina precisa ser calibrada para evitar fraudes. O termo erro máximo permitido tem um significado padronizado pelo VIM, aceito internacionalmente.
- Em pesquisas científicas, a definição de incerteza expandida é fundamental para validar experimentos e comparações entre laboratórios.
Assim, a metrologia não é apenas técnica, mas também normativa e jurídica, garantindo justiça em transações comerciais, confiabilidade na ciência e padronização na indústria.
Conclusão e Considerações Finais
A história da instrumentação e das medidas mostra a transição da humanidade de sistemas locais e empíricos para um padrão universal e científico. Desde as primeiras tentativas de medir comprimentos com partes do corpo até a definição moderna das unidades com base em constantes fundamentais da natureza, a metrologia evoluiu para se tornar o idioma comum da ciência e da engenharia.
Os organismos reguladores internacionais, como o BIPM, o CIPM e a CGPM, juntamente com instituições nacionais como o INMETRO, garantem que essa linguagem seja uniforme em todos os países. O Vocabulário Internacional de Metrologia (VIM), por sua vez, padroniza conceitos e termos, assegurando clareza e consistência em pesquisas, indústria e comércio.
A instrumentação moderna só é possível graças aos diferentes tipos de sensores, que traduzem fenômenos físicos, químicos e biológicos em sinais elétricos. Desde os resistivos até os piezoelétricos, dos ópticos aos químicos, todos têm um papel vital na ponte entre o mundo real e os sistemas digitais que governam a sociedade contemporânea.
Aplicada em campos tão diversos como automação industrial, eletrônica de potência, biomédica, aeroespacial e energia, a instrumentação é, hoje, uma ciência de sustentação para a inovação tecnológica. Mais do que medir, ela garante a confiabilidade, a segurança e a eficiência de processos e produtos, consolidando-se como um pilar essencial da vida moderna.
Referências
- BALBINOT, Alexandre; BRUSAMARELLO, Valner João. Instrumentação e Fundamentos de Medidas – Volume 1. Editora LTC, 2011. (consulte nossa biblioteca)
- BIPM – Bureau International des Poids et Mesures. Disponível em: https://www.bipm.org.
- INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Disponível em: https://www.gov.br/inmetro.
- OIML – International Organization of Legal Metrology. Disponível em: https://www.oiml.org.
- ISO – International Organization for Standardization. Disponível em: https://www.iso.org.
Sobre o Autor
Carlos Delfino
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Um Eterno Aprendiz.
Professor de Introdução a Programação, programação com JavaScript, TypeScript, C/C++ e Python
Professor de Eletrônica Básica
Professor de programação de Microcontroladores.
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